Editorial

Oportunidade perdida

Venceu a pressão partidária e o interesse político pragmático. Após reunir-se na segunda-feira com o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, o presidente Lula (PT) decidiu fazer ouvidos moucos diante das bem documentadas denúncias de irregularidades praticadas pelo integrante do União Brasil. Ao invés do rigor pregado nos últimos quatro anos no controle das ações de integrantes de cargos públicos - e prometido como praxe em sua gestão -, o chefe do Executivo optou por considerar aceitável que um integrante do primeiro escalão da República viajasse em avião da Força Aérea Brasileira e recebesse pagamento de diárias para que participasse de uma série de agendas de cunho pessoal em São Paulo.

A decisão de Lula dá um mau recado a quem eventualmente também pense em se aproveitar dos luxos possíveis quando se faz parte da elite política nacional: o rigor com que o governo tratará cada caso dependerá da contrapartida a ser oferecida pelo grupo político de quem não andar na linha. Esta conclusão parece ser a única possível diante do episódio, visto que integrantes do União Brasil deixaram suficientemente claro nos últimos dias que o apoio sinalizado em votações no Congresso Nacional poderia ser abalado em caso de demissão do ministro. De olho em superar barreiras em um parlamento recheado de representantes de direita e extrema-direita ávidos por seu insucesso, o presidente capitulou.

Além do aceno negativo a aliados - sobretudo àqueles cujas convicções programáticas são mais distantes em relação ao que pensam PT, PSB, PSOL, Rede, PCdoB, PV, Agir, Avante, Pros e Solidariedade, que integram a aliança eleitoral original -, Lula sinalizou mal também ao cidadão. Após um período de decepção da maioria da população com um governo que prometeu seriedade e comprometimento com gestão técnica acima de alianças por mero interesse, os brasileiros têm a expectativa de que o discurso de intolerância à manutenção de quem se serve do Estado - e não serve a ele - seja devidamente aplicado. Não importa o tamanho da irregularidade.

Há quem defenda a criação dentro da estrutura administrativa brasileira de um Ministério Anticorrupção, no qual o titular teria como missão estar em permanente contato com todos os órgãos e poderes, além de comparecer periodicamente ao Congresso para ouvir denúncias e sugestões, sendo obrigado a informar à Presidência qualquer irregularidade ou indício, sob pena de, ao não fazer isso, ser também responsabilizado pelos atos ilegais. Desta forma, nenhum presidente poderia alegar desconhecimento de problemas ou corrupção no governo. É um debate interessante, pelo menos.

Contudo, sem isso, o que se exige é seriedade com o exercício das funções públicas. É aquele velho clichê: não basta ser honesto, é preciso também parecer honesto. E dar o exemplo quando isso não ocorre.

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